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quarta-feira, 23 de maio de 2012

DOIS SONS NOVOS DO DON L



Ficha técnica:
Enquanto Acaba:
Produção e mixagem: Don L
Bateria: Pepeu e Billy Gringo
Masterização: Renato Pinto
Participação especial: Flora Matos
Cafetina Seu Mundo:
Produção: Don L
Mixagem: Luiz Café
Masterização: Renato Pinto
Download:
ENQUANTO ACABA:


É estranho pensar no cearense Don L como o segredo mais bem guardado do rap brasileiro já que sua música, desde seu grupo Costa a Costa, nunca pareceu ter motivação ou intenção subterrânea. Óbvio, os temas que ele aborda – e o jeito que ele aborda esses temas – não são material pra Sessão da Tarde, mas ele sempre arranjou soluções sonoras muito atraentes pra ssa treta toda. Ao mesmo tempo, o próprio rap brasileiro nunca precisou realmente dos canais oficiais da grande mídia (se você acha isso, tá mais de chapéu que usuários de Panamá, te aconselho voltar dez casas com rabo entre as pernas pianinho e rezando pra que ninguém tenha percebido).  
Então pensar na obra dele assim pode fazer muito sentido. Vamos lá: o culto ao seu trampo é tamanho que a mixtape Dinheiro Sexo Drogas e Violência de Costa a Costa é eternamente encontrável pra download na rede, e as músicas solo que o Don L soltou online desde então – sejam cartas de intenções como “Essência”ou “Êxodo e Êxito” e “No Baile” ou aquele hino pra mandar lindamente o mundo se fuder – enfeitiçaram, intrigaram e inspiraram amantes, piratas e do contras do Brasil. Divirtam-se. O mundo é nosso.
VICE: Vamos do começo. A mixtape do Costa a Costa, de 2007, é cultuada. Pra muitos está entre os melhores discos de rap brasileiro de todos os tempos, por resolver a equação de letras pesadas X musicalidade. Muita gente quer saber por que o grupo deu um tempo e você saiu solo.
Don L: 
São duas coisas diferentes. Tenho essa necessidade de ter um trampo solo. É minha visão, meu conceito de música, de letra, e minhas aspirações em termos de produção... O Gallo também tem as dele. Então é natural que exista o trampo solo de cada um. O Gallo vai participar do meu disco em uma faixa. Mas pra gente se juntar e fazer um disco juntos, precisa conciliar um monte de coisa, e pra isso, todas as pessoas envolvidas precisam estar vivendo um momento de vida compatível, como foi o caso da mixtape. A vida pessoal de cada um deu reviravoltas que levou a gente a seguir caminhos diferentes, prioridades diferentes, mas sempre no maior respeito às escolhas de cada um. Não tô falando de um grupo de rap, tô falando dos meus melhores amigos. No momento certo, a gente concentra pra gravar um disco. Não vai faltar história pra contar.
Na mixtape o tema que amarra as músicas é a saída do tráfico de drogas pela música, e histórias do universo ao redor dessas duas atividades. Do que você está tratando nas suas novas músicas sozinho?
É mais amplo. O nome do disco é Vida Premium. É meio épico. Não quero explicar demais agora, porque quero que as pessoas tenham o impacto do disco. De ouvir faixa a faixa e ter aquela parada que acho que conseguimos fazer na mixtape do Costa a Costa. Acho que vai ter um mesmo impacto. Só que de uma maneira mais ampla.
Ninguém quer viver uma vida ordinária. Todo mundo quer sentir um sabor especial, sentir que vale a pena. Dizem que a gente tá vivendo a era da informação, a sociedade da informação. Acho que essa época já passou. A gente tá vivendo a sociedade da propaganda. O excesso de informação fragmentada se torna simplesmente propaganda. As pessoas buscam informação através da propaganda, e assimilam fragmentos de informação pra gerar algum produto que possam vender, e pagar pela vida que vendem pra eles através de propagandas, e depois fazer propaganda da vida que eles acabaram de adquirir no Facebook, pra que outras pessoas achem que eles fizeram as escolhas certas e assim, comprem o que eles tão tentando vender também através dessa propaganda da vida privada. Tudo se torna propaganda. O rap atual é pura propaganda. Mas isso é só uma parada que veio na minha mente agora... O meu disco não fala só disso e nem exatamente disso, eu tô mentindo. Eu tô, agora, fazendo propaganda do meu disco. Ou talvez esteja sendo sincero demais. Isso não é bom. E agora tô confundindo. Tática de propaganda. Tô confundindo, pra gerar uma expectativa. A verdade é que não posso falar agora exatamente o que é. Preciso fazer mais propaganda, antes.
Como você vê falar de amor e sexo no rap? Fora alguns exemplos isolados (e nisso encaixo o seu trabalho e o próprio Costa a Costa), isso ainda não foi bem resolvido pelo rap brasileiro, principalmente pra tratar de sexo. Você vem numa pegada que dosa bem sacanagem e romance. Acha que é um tema difícil de abordar no Brasil? Por quê?
Não acho difícil. Acho que sou um cara sacana e romântico, deve ser por isso [risos]. Mas geralmente não me identifico com a forma que a maioria dos caras fala de mulher, nem no rap, nem na maioria dos outros estilos de música. Às vezes escuto e sinto que não falaria assim com uma mulher, se quisesse dizer tal coisa pra uma mulher. Às vezes, não com esse tom. Às vezes, não com essas palavras. Às vezes, eu simplesmente nunca diria isso [risos]. Geralmente acho muito estúpido, ou muito fresco, ou muito clichê, ou alguma combinação dessas três coisas.
Acho que, musicalmente, “Enquanto Acaba” têm paralelos tanto com “Sonho Meu” do Xis quanto com “Não Existe Amor em SP” do Criolo, pela liberdade e confiança em fazer uma música com andamento mais lento. Já a letra trata de algo completamente diferente, e na batida 3/4 cabe tanto dançar uma valsa a dois quanto cantar o refrão de “Hip Hop Hooray”. O que você queria realizar ao compor esse som?
Muita honra ser comparado ao Xis e ao Criolo, ainda mais com essas duas músicas, que considero clássicos, mesmo a do Criolo que é recente. Sobre o que eu queria realizar, sinceramente não penso tanto assim quando tô compondo. Não calculo tanto assim. Tenho um conceito geral do disco, do que quero em termos de produção. E saber o que quero em termos de produção, pra mim, é encontrar a música que possa me ajudar a transmitir o sentimento que trago nas ideias, que é na verdade, o reflexo do momento que tô vivendo e o que eu tô pensando sobre a vida. Nesse caso aí, só me dei conta de que a batida era em 3 tempos quando alguém falou. Não que eu não saiba o que é uma batida em três, mas porque eu tava tão absorvido quando fiz a música, que não pensei nisso. Tava fazendo outra coisa e ouvindo um disco antigo, aí pirei no som, botei norepeat umas 30 vezes, depois fiz um loop, e comecei a escrever o que eu tava sentindo, o que a música me trazia, só com o sample. Só depois fui produzir a música valendo. Às vezes não percebo nem alguma coisa ou outra que eu digo, tipo, não exatamente o impacto que pode ter. Faço música como se tivesse num divã, como se ninguém tivesse ouvindo, é como se tivesse falando pra mim mesmo ou pra alguém em especial. Às vezes fico com vergonha de mostrar pra alguém pela primeira vez, porque é muito pessoal. O flow também, eu não calculo, vou ouvindo e entrando na música, tentando fazer parte dela como os outros instrumentos fazem. O refrão é meio blues se você prestar atenção, mas não pensei nisso tipo: vou fazer um refrão meio blues. Foi o tipo de melodia que encontrei pra transmitir o que eu tava sentindo.


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